Mealheiro #58: A Insignificância do Dinheiro
More To That: The Nothingness of Money, by Lawrence Yeo
Este artigo é uma tradução do artigo “The Nothingness of Money”, escrito por Lawrence Yeo do blog More Than That. A tradução foi autorizada pelo autor.
Quando eu estava no secundário, ouvi uma adivinha que me surpreendeu.
Era algo do género:
Os ricos precisam disto. Os pobres têm-no. Se o comeres, morres. E quando morres, leva-lo contigo. O que é?
Senta-te, e fica à vontade para pensares um bocado nisto.
Ok.
Pronto?
A resposta é…
Ainda hoje, esta adivinha põe um sorriso na minha cara. Mas quando a ouvi pela primeira vez, lembro-me de ter ficado chocado depois de ouvir a resposta e pensar nela, ponto a ponto.
Naquela altura, gostei da adivinha porque era bastante inteligente.
Mas hoje, eu gosto dela pela sua simplicidade profunda.
A afirmação de que “os ricos não precisam de nada” não é literal, mas aponta para como a busca por dinheiro é a batalha unificadora da era moderna. Podemos optar por não participar na história da religião ou da política, mas não podemos optar por não participar na história do dinheiro. Está tão entrelaçado no tecido da sociedade que até o nosso bem-estar físico depende de como números abstratos num ecrã podem ser transformados em refeições palpáveis.
Ao mesmo tempo, porém, a adivinha mostra outra verdade: nada passa pela grande muralha da morte. Sejas um bilionário ou um sem-abrigo, tudo fica a zero em frente do grande equalizador. A única coisa que podes preservar é um legado, mas esse legado é para outras mentes conscientes percecionarem, um luxo que deixas de ter assim que bates nessa muralha.
Então aqui está a Grande Tensão:
O dinheiro é uma busca necessária para a vida, mas uma busca inútil após a morte.
Se eu tentasse ilustrar como é essa tensão para a pessoa comum, seria algo assim:
Aquela descida íngreme para zero é o que eu chamo da Insignificância do Dinheiro. É quando a inutilidade do dinheiro deixa de ser teórica; é realmente entendida. Este delineamento é importante.
Todos sabemos que a nossa conta bancária não fica connosco após a morte. Mas, durante a maior parte da vida, este conhecimento é teórico, o que significa que não é real o suficiente para influenciar o nosso comportamento diário. A mera consciência da tua mortalidade não é suficiente para cessares a tua busca pela riqueza.
É somente quando a finitude da vida é evidentemente óbvia que as coisas mudam.
Para a maioria das pessoas, a Insignificância do Dinheiro ataca quando a meta final está a poucos metros de distância. Um diagnóstico terminal é dado. Uma consulta é marcada num centro de cuidados paliativos. O leito de morte é preparado.
Neste momento, uma busca que antes parecia consumir tudo, desaparece para segundo plano. Tudo o que importa são as memórias que tens, as pessoas que amas e as memórias que ainda podes fazer com elas. O uso do teu tempo finito para espremer um euro extra dá vontade de rir, porque ninguém com uma mente sã esperaria isso de ti.
E, finalmente, neste breve momento da vida, algo profundo acontece.
A Insignificância do Dinheiro é verdadeiramente compreendida.
Embora este seja, sem dúvida, um momento poderoso, acho esta realidade profundamente triste.
É triste que, para a maioria das pessoas, esta descida seja abrupta e aconteça apenas nos últimos momentos da sua vida. Que seja apenas por enfrentar a morte nos últimos momentos que o feitiço do dinheiro é interrompido e seja descartado o seu poder sobre os processos de tomada de decisão.
Mas a verdade é que até isso é algo pelo qual se deva agradecer.
A Insignificância do Dinheiro só é possível através de uma reflexão profunda, e isso é fortemente possibilitado através da defronta visceral da tua mortalidade. As pessoas com esta sabedoria no leito de morte só a têm porque receberam algum tempo, entre o diagnóstico e o fim, para processar tudo.
Outras não são tão afortunadas.
Para aqueles que partem devido a acidentes fatais, é perfeitamente possível que tenham vivido as suas vidas sem nunca interiorizar a inutilidade do dinheiro. Que foi sempre uma força omnipresente nas suas vidas, ditando os seus comportamentos e guiando os seus motivos a cada passo do caminho.
Para estes indivíduos, não houve tempo para refletir sobre o que importa de uma forma que nunca o fizeram antes. E nesse caso, a Insignificância do Dinheiro nunca lhes foi verdadeiramente mostrada.
Embora isto pareça frio, a realidade é que essa é a natureza da condição humana. Estamos cientes da nossa mortalidade, mas não sabemos onde é que será a meta. Fazemos suposições usando expectativas médias de vida e a expectativa de vida em todo o mundo, mas isso é essencialmente um exercício para reprimir as nossas incertezas.
Há apenas uma certeza: um dia o nosso tempo vai acabar, e não sabemos quando é que esse dia chegará.
Equipadas com esse conhecimento, as pessoas decidiram que não queriam passar as suas vidas a pensar em dinheiro. Elas queriam que a Insignificância do Dinheiro começasse mais cedo do que os últimos momentos das suas vidas, para poderem passar pelo menos algumas décadas a viver sem serem consumidas pela necessidade de atenção das suas finanças.
Elas criaram uma ferramenta que ajudou a prolongar a Insignificância do Dinheiro, e a sua invenção abriu caminho a uma nova forma de pensar sobre a liberdade financeira.
Essa ferramenta foi chamada de reforma.
A ideia central da reforma é esta: antecipas a atenção que gastas em dinheiro para gerar riqueza. Depois descarregas a tua riqueza para gastar a tua atenção em lazer, propósito ou amor.
A reforma é a nossa inteligente forma de esticar a Insignificância do Dinheiro enquanto somos saudáveis o suficiente para apreciá-lo. Trabalhamos duro na nossa juventude para que não tenhamos que fazê-lo quando formos mais velhos. Deixamos de precisar de estar no leito de morte para retirar o dinheiro dos nossos pensamentos, pois podemos fazer isso com algumas décadas de sobra.
Tradicionalmente, a idade em que a Insignificância do Dinheiro começaria a declinar é por volta dos 65 anos. Isso deixa a maioria dos reformados com cerca de 2 a 3 décadas para viver uma vida em que o dinheiro não dita como gastam o seu tempo. Podem viajar pelo mundo, passar as manhãs com os netos ou cuidar dos jardins. Independentemente do que façam, não vão estar a gastar mais de 40 horas por semana nalgum sítio com o objetivo de gerar riqueza.
Embora isso pareça bom, já não é suficiente. Muitas pessoas acreditam que a Insignificância do Dinheiro deveria ser adiado ainda mais. Afinal, porquê ter 3 décadas de liberdade quando poderias ter 6?
Movimentos como o IFRA (Independência Financeira, Reforma Antecipada) tentam iniciar a descida muito mais cedo, resultando numa curva que se parece com isto:
Teoricamente, esta é a curva de sonho. Trabalhas nas coisas certas desde cedo, ganhas muito dinheiro e depois implementas um estilo de vida que um rosto cheio de rugas normalmente teria. A tua atenção está livre do peso do dinheiro, enquanto a tua vitalidade é preservada pelo espírito da juventude.
Mas é claro, que o que é ótimo na teoria desmorona-se na prática.
O problema do IFRA é que requer um nível quase obsessivo de atenção ao dinheiro, especialmente naquele período inicial de preparação. Normalmente há um objetivo que está a ser perseguido, ou algum número mágico que representa o pico da curva. Esse objetivo torna-se o sol em torno do qual os teus comportamentos orbitam, ditando que trabalhos aceitas, que produtos compras e a frequência com que controlas as tuas despesas ou verificas o teu portfólio (que eu assumo que seja muito frequentemente).
Então, na realidade, esse período de preparação parece-se mais com isto:
Certamente, este não é um uso saudável da tua atenção, mas talvez digas que simplesmente é o preço a pagar. Ao concentrares-te loucamente em alcançar este objetivo, aceleras a tua capacidade de lá chegar, que é o que a reforma antecipada significa. Vês o mundo através das lentes do dinheiro agora, para que te possas libertar mais tarde.
O problema, no entanto, é que estas lentes não podem ser retiradas quando quiseres.
O hábito é a cola que dá à perceção a sua aderência. Se passas mais de 15 anos a registar as tuas despesas todas as noites, a ver o teu portfólio vinte vezes por dia e a tomar decisões com base no seu impacto fiscal, quão plausível é que pares de pensar em dinheiro após atingires a tua meta? Se andaste a tratar o dinheiro como um objeto de coleção único há décadas, consegues parar de identificar-te com essa coleção depois de acumulares o suficiente?
Mesmo que te aposentes cedo, a Insignificância do Dinheiro não começará a desaparecer se os teus hábitos continuarem. Se ainda estiveres a ver o teu portfólio sempre que pegas no telemóvel, estás longe de entender a inutilidade do dinheiro. Se hesitas em investir numa dieta melhor por causa do custo, ainda és refém do todo-poderoso euro.
Então, mesmo neste caso, pode ser apenas por meio de uma dura recordação da tua mortalidade que a Insignificância do Dinheiro é entendida.
A única maneira de resolver esta tensão é lembrares-te de que já estás ciente da futilidade inevitável de uma busca centrada no dinheiro. Que o que verás como ridículo mais tarde pode ser realmente visto como ridículo agora.
Por exemplo, se um amigo te dissesse que queria escrito na sua lápide “Bati o S&P500”, a tua reação imediata seria rir. Não há forma de ver isso para além de uma piada.
O truque é pegar nesse sentimento exato e relembrá-lo sempre que o dinheiro roubar a tua atenção. Quando estás obcecado com a procura do mesmo, podes quebrar o feitiço entendendo o quão cómico será ser relembrado por isso. Que no final, terá muito pouco a dizer sobre a pessoa que és.
Ao fazeres isso regularmente, podes combinar os picos de atenção com momentos de clareza, o que ajuda a trazer o platô elevado para a um nível mais razoável.
E quanto mais baixo for esse platô, menos dramática será a queda, minimizando assim os arrependimentos que podes ter sobre a maneira como viveste a vida.
A sabedoria é a coexistência de verdades contraditórias, e o dinheiro é o exemplo mais claro disso. Devemos interiorizar a sua importância e ao mesmo tempo reconhecer a sua inutilidade. Devemos operar dentro da história do dinheiro ao mesmo tempo que entendemos que é um conto de fadas.
O problema é que muitas vezes deixamos de ver a natureza ilusória dessa história e passamos a tratá-la como o evangelho, até que seja tarde demais. Mas ao equilibrar os nossos dias com a consciência da Insignificância do Dinheiro, podemos fazer escolhas que não põem as finanças no comando.
Podemos dar um salto para fazer algo belo.
Podemos escolher um trabalho gratificante em vez de trabalhos aborrecidos.
Podemos deixar de lado os nossos portfólios e estar presentes com aqueles que amamos.
Em última análise, podemos viver as nossas vidas de acordo com o que será escrito nas nossas lápides. E dado que um cifrão não estará nelas, é hora de pararmos de o incluir nas nossas mentes também.