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Não, não vou comprar um Porsche, infelizmente. Ou felizmente? Depende do ponto de vista, suponho.
A verdade é que desde que me lembro que quero um. Acho que é um carro deslumbrante, e sempre que passo por um na rua gosto de pensar para mim “Um dia vou ter um igual”.
Contudo, os dias passam, e aqui continuo eu, sem um. O meu lado emocional diz-me para sucumbir aos meus desejos, mas o meu lado racional mantém-me com os pés bem assentes na terra. No final do dia, o meu carro atual é perfeito para o que preciso: ir do ponto A ao ponto B.
O mais curioso disto tudo é que, certamente mais tarde do que cedo, vou acabar por comprar um Porsche. E quase que consigo adivinhar o que vão pensar de mim quando esse momento chegar: “Ah, olha aquele, de certeza que está a ter uma crise de meia-idade!”. Sim, porque se o fizer não será daqui a uns anos. Será daqui a umas décadas possivelmente, e por essa altura já vou ter idade para ter juízo. Mas será a melhor idade para não o ter.
Mas chega de falar sobre os meus sonhos e vontades. Vamos falar de coisas mais interessantes.
People buy things they don't need, with money they don't have, to impress people they don't like.
Os seres humanos são estranhos no que toca a símbolos de estatuto. Quando vemos alguém na estrada com um bom carro, ficamos a olhar. Gostávamos de ser nós naquele carro. Mas porquê? Porque admiramos quem vai no carro? Não.
O que pensamos, subconscientemente ou não, é que o carro é um símbolo de um determinado sucesso. Que se tivéssemos um carro igual, as pessoas iriam olhar para nós de forma diferente, e pensar que éramos ricos, ou famosos, ou o que seja.
Mas na realidade não é isso que acontece. Nós olhamos para alguém num bom carro e usamos isso como comparação para a nossa própria situação - para comparar a nossa riqueza, e definir um nível no qual gostaríamos de nos encontrar. Não olhamos para alguém porque achamos que são ricos, olhamos para alguém porque gostávamos de ser como eles. É um paradoxo interessante.
O que é que isto interessa? Já lá vamos chegar.
O dinheiro não compra felicidade
(…mas compra segurança e liberdade que trazem felicidade)
Já deves ter ouvido isto demasiadas vezes. Especialmente vindo de pessoas ricas, que podem comprar literalmente o que quiserem. E embora a afirmação possa parecer falaciosa, existe um bocadinho de verdade por trás da mesma.
Existe um conceito no campo da psicologia chamado adaptação hedónica (hedonic treadmill, hedonic adaptation) que defende que os seres humanos têm uma tendência para regressar rapidamente a um nível relativamente estável de felicidade apesar da ocorrência de importantes acontecimentos positivos ou negativos, ou de mudanças de vida.
De acordo com esta ideia, à medida que uma pessoa ganha mais dinheiro, as suas expectativas e desejos aumentam em consonância, mas resultam em pouco ou nenhum ganho permanente de felicidade.
Uma forma de imaginarmos a adaptação hedónica é pensarmos na mesma como uma passadeira rolante. Por forma a ficarmos no mesmo sítio (manter a felicidade), ou até progredirmos (mais felicidade), precisamos de continuar a mexer-nos (comprar/gastar mais). Se paramos, voltamos ao ponto inicial da passadeira rolante.
Este processo psicológico está em grande parte relacionado com a ideia de utilidade marginal, que diz que a utilidade total de um bem cresce quanto mais se consome esse bem, contudo o aumento da utilidade marginal desse bem é cada vez menor.
O comportamento humano é fascinante, não achas?
O dinheiro pode comprar infelicidade
Estou neste momento a ler o livro “Antifrágil”, do Nassim Taleb. Embora ainda não tenha terminado, aconselho vivamente. No capítulo 10, é abordado o estoicismo. Mais especificamente, a vida e os ensinamentos de Séneca.
O capítulo termina com a definição de assimetria fundacional. Basicamente ele diz que “(…) se temos mais a perder do que a ganhar com os acontecimentos do destino, há uma assimetria, que não é positiva.”.
No contexto do livro, ele define então a fragilidade e a antifragilidade da seguinte forma:
A fragilidade supõe que se tenha mais a perder do que a ganhar, equivale a mais desvantagens do que vantagens, e equivale a uma assimetria (desfavorável);
A antifragilidade supõe que se tenha mais a ganhar do que a perder, equivale a mais vantagens do que desvantagens, e equivale a uma assimetria (favorável).
Porque é que isto é interessante? Porque há aqui um paralelismo que se pode fazer com o que estive a falar até agora:
Mais posses resultam em mais fragilidade. Se tens mais, tens mais com o que te preocupar, e uma maior chance de que as desvantagens se sobreponham às vantagens;
Mais frugalidade resulta em mais antifragilidade. Se tens menos, tens menos com o que te preocupar, e uma menor chance de que as desvantagens se sobreponham às vantagens.
Vamos a um exemplo prático? A Maria comprou 1 melão para levar para a casa. O João, porque podia e achou boa ideia, comprou 30 melões. A Maria agora só precisa de se preocupar com 1 melão (transportar, conservar, preparar, etc). Contudo, o João tem agora que se preocupar com 30 melões. Como é que os vai levar para casa? Onde os vai guardar? E quem é que os vai preparar?
Talvez, e visto que tem dinheiro para comprar 30 melões, o João possa pagar a alguém para resolver todos os seus problemas. Mas agora imagina que o João, enquanto tratava de tudo isto, ficava sem trabalho?
Nesta situação, pode-se considerar que o João é mais frágil que a Maria. Se algo correr mal, tem mais desvantagens do que vantagens, e mais risco associado ao que comprou. Agora substitui melões por, por exemplo, apartamentos e talvez fique mais claro como o dinheiro, numa situação de fragilidade, pode trazer infelicidade.
Compraste mais uma casa? Mais impostos a pagar. Decidiste comprar um Rolex? Talvez andes preocupado na rua a pensar se alguém te vai assaltar. És tão rico que te reconhecem em público? Então é altura de contratar segurança privada, nunca sabes o que te pode acontecer.
E qual é a conclusão de tudo isto? Não vou ser hipócrita e dizer que ter mais dinheiro não é bom. É. Claro que é. Mas gosto de imaginar que a busca por riqueza deve ser uma busca por mais segurança e liberdade financeira, e não por um Porsche. Que o objetivo é sermos financeiramente antifrágeis, e não ter 30 melões na garagem com que nos preocupar.
Deixo-te com uma citação do Morgan Housel:
The point isn’t to abandon the pursuit of wealth, of course. Or even fancy cars – I like both. It’s recognizing that people generally aspire to be respected by others, and humility, graciousness, intelligence, and empathy tend to generate more respect than fast cars.
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Até uma próxima vez - Guilherme
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