Mealheiro #69: Os Riscos Escondidos Da Contabilidade Mental
Ou como o teu cérebro te está a levar a cometer erros financeiros caros
Se és daquelas pessoas que por vezes fica a pensar em determinadas decisões financeiras, e chega à conclusão que não fazem sentido, então este artigo é para ti.
Há um viés cognitivo no mundo financeiro chamado de contabilidade mental (mental accounting em inglês, ou “contas de cabeças” em bom português) que influencia a forma como tu olhas para o dinheiro, e as decisões que tomas no teu dia a dia. Não só isto, como também te leva a seguir padrões de consumo não sustentáveis e até prejudiciais.
Nota: não consegui encontrar a tradução técnica em português para este termo. Daquilo que encontrei, contabilidade mental parece ser o utilizado. Isto pode criar alguma confusão, e talvez algo como contabilização mental seja melhor para evitar o cruzamento de conceitos não relacionados. De qualquer forma, vou continuar a usar contabilidade mental no resto do artigo.
Mas o que é a contabilidade mental?
É um termo utilizado para definir as diferentes formas como as pessoas avaliam o dinheiro à sua disposição, normalmente baseado em critérios subjetivos e que podem oferecer resultados menos positivos.
A teoria foi introduzido por Richard Thaler, em 1999, no artigo Mental Accounting Matters, e foi definido como “o conjunto de operações cognitivas usadas por indivíduos e famílias para organizar, avaliar e acompanhar as suas atividades financeiras”.
Na base desta teoria encontra-se o conceito de fungibilidade do dinheiro. Trocado por miúdos: todo o dinheiro, independentemente da sua origem ou do seu destino, é igual.
Ou seja, o dinheiro que recebo pelo meu trabalho deveria ter o mesmo valor que o dinheiro que a minha avó me ofereceu como prenda de natal, ou como aquela moeda de €1 que encontrei perdida debaixo da almofada do sofá. €1 = €1, sempre, independentemente da sua proveniência ou intenção de uso.
Contudo, como seres “racionais” que somos, não fazemos nada disto. E é aí que entra o viés que apresento hoje. Mas vamos a exemplos, para tornar isto mais palpável.
Exemplos comuns de contabilidade mental
Existem vários exemplos de como, todos os dias, somos levados por este viés cognitivo. Aqui estão alguns:
Dinheiro da casa
Já pensaste no que normalmente fazes com dinheiro que ganhaste, que não estavas à espera de receber, ou que cai fora das tuas rendas normais? Por exemplo, prémios das raspadinhas, o reembolso do IRS, ou aquele subsídio de Natal?
Quase instintivamente temos tendência a gastar estes fundos em atividades de lazer ou produtos e serviços que caem fora do nosso comportamento de consumo normal. Umas férias, jantar fora, ou comprar aquele telemóvel novo.
Olhamos para estes valores “fora da caixa” como algo extra, damos um valor diferente a este dinheiro. Contudo, o valor é sempre o mesmo.
Dissociação da transação
Alguma vez tentaste perceber qual a diferença entre os teus hábitos de consumo quando pagas com dinheiro ou com cartão? Eu já, e tenho a dizer que embora prefira a conveniência de não ter que andar com notas e moedas, tenho perfeita noção que gasto mais dinheiro quando uso o cartão.
Este exemplo em específico diz-nos que temos tendência a tratar o custo de um produto de forma diferente, dependendo da forma como pagamos pelo mesmo.
Dinheiro já gasto
Imagina que te inscreveste num ginásio. Daqueles com tudo e mais alguma coisa. Não falta nada neste sítio, praticamente podias viver lá dentro. Contudo, a mensalidade do ginásio é bem alta, e não reembolsável. Não tão alta que te impeça de comer ao final do mês, mas alta o suficiente para que sintas a necessidade de justificar o porquê de pagares tanto.
Contudo, ainda antes de começares a usar o ginásio, magoaste-te ao descer as escadas em casa. O teu tornozelo está inchado, e o médico disse-te que vai demorar uns dias a curar a 100%. Mas como acabaste de gastar muito dinheiro neste novo ginásio, decides ir à mesma - mesmo estando com o tornozelo magoado.
A contabilidade mental está por trás deste problema. Continuar a ir é a única maneira de garantir que o gasto com o ginásio continua numa categoria mental de “dinheiro bem gasto”. Não ir seria assumir o custo como uma perda. E isso, por vezes, é pior do que treinar com um tornozelo magoado.
As consequências da contabilidade mental
A contabilidade mental pode levar a decisões financeiras más ao tratares o dinheiro de maneira diferente com base de onde ele veio ou no uso que lhe vais, em vez de avaliá-lo objetivamente.
Isso pode fazer com que tomes decisões que se desviam daquilo que se pode considerar um comportamento racional, como gastar mais ou poupar menos do que farias se estivesses a avaliar a tua situação financeira como um todo. Quanto melhor entenderes estes teus comportamentos, melhor poderás tomar decisões informadas e benéficas para as tuas finanças.
Como evitar
Mas não desesperes. Para além de te consciencializares desta armadilha, há mais algumas coisas que podes fazer para evitar este viés:
Combina contas mentalmente: em vez de manteres contas mentais separadas para diferentes “tipos” de dinheiro, olha para o teu dinheiro como se estivesse todo numa grande conta conjunta. Assim, no momento de tomar decisões, vais considerar tudo o que tens e evitar erros desnecessários;
Faz um orçamento: um orçamento vai-te ajudar a acompanhar o que gastas e garantir que dás a importância devida o teu dinheiro. Ao teres uma visão clara para onde o teu dinheiro vai, ficas menos propenso a cair na armadilha;
Evita efeitos de enquadramento: sempre que fores comprar alguma coisa, faz um esforço objetivo para avaliar corretamente o valor intrínseco daquilo que te está a ser apresentado. Não te deixes ser influenciado pelo marketing;
Falácia do custo afundado: o exemplo que dei acima, sobre o ginásio, aplica-se aqui. Evita insistir numa determinada decisão má e perder ainda mais dinheiro. Avalia qual o potencial de sucesso atual para essa decisão, e reage de acordo com isso;
Educa-te: aprende sob vieses cognitivos aplicados às finanças pessoais, entende como eles te afetam, e aprende a reconhecê-los para evitares ser influenciado pelos mesmos.
A contabilidade mental é uma armadilha na qual muitos de nós, incluindo investidores experientes, caímos. A maioria das pessoas atribui valor subjetivo ao dinheiro, geralmente com base na sua origem e como será usado. Embora essa abordagem possa parecer inofensiva e totalmente razoável, mais vezes do que menos funciona contra nós e deixa-nos economicamente numa situação pior.
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Até uma próxima vez - Guilherme
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