Mealheiro #76: Ajustes Diretos e Dinheiro Público
Transparência e eficiência na gestão de recursos públicos
Recentemente, e à custa das Jornadas Mundiais da Juventude, tem-se falado muito sobre ajustes diretos. O que é um ajuste direto? Vamos lá ver o que diz o Diário da República:
O ajuste direto corresponde ao procedimento de contratação pública em que a entidade adjudicante convida diretamente uma entidade à sua escolha para que esta apresente uma proposta (artigo 112.º, n.º 2 do Código dos Contratos Públicos).
Trocando por miúdos, um ajuste direto permite que exista contratação direta de uma entidade para providenciar serviços ou produtos ao estado, sem que haja um concurso público.
Os concursos públicos existem para que o estado possa tomar a melhorar decisão possível quando à alocação dos seus fundos. O mesmo acontece com empresas privadas, até certo ponto.
A importância deste tipo de concursos é bastante grande. Porque não só permite ao estado (em teoria) tomar a melhor decisão entre custo/qualidade, como também (mais uma vez em teoria) evitar que haja contratações que vão diretamente para os bolsos do “primo” e do “tio” - vulgo, corrupção.
Contudo, nem sempre é possível efetuar um concurso público eficaz, e por vezes há necessidades excecionais e urgentes que justificam o uso de ajustes diretos. Independentemente disso, os ajustes diretos deviam ser a exceção e não a regra.
A razão deste artigo não é para “bater no ceguinho”, nem muito menos opinar sobre as JMJ. Esta situação serve apenas de exemplo para algo que aconteceu recentemente, e ajuda-me a trazer ao de cima algo que eu considero um problema: má gestão por parte do dinheiro público do estado. Mas já volto a esse ponto.
Portal BASE
Sabias que existe um portal onde podes ver todos os contratos que o estado realiza com entidades privadas? Literalmente tudo. E podes facilmente ver onde é que o estado anda a pôr o teu dinheiro. Tens até acesso aos contratos assinados com as entidades, para poderes perceber as razões das adjudicações e até mesmo veres em detalhe os serviços contratados:
→ BASE - Informação sobre os contratos públicos celebrados em Portugal
A maioria de nós pouco tempo tem para andar aqui a esmiuçar tudo o que se faz, contudo é sempre interessante explorar isto um bocado. Com isso em vista, decidi criar uma pequena ferramenta para manter debaixo de olho o que se anda a fazer.
É um bot do Twitter (ou X) que faz um tweet sempre que há um novo ajuste direto com valor acima de €50.000. Tem sido curioso ver os resultados disto. Se quiseres seguir, basta clicares aqui. E não te esqueças de ativar as notificações.
Onde quero chegar?
Acho que é fácil de concordar que a carga fiscal em Portugal é elevada. Ninguém nega isso. Basta ver o seguinte gráfico abaixo como exemplo. A OCDE lançou recentemente um estudo em que compara os impostos sobre o trabalho em diferentes países. Portugal encontra-se em 9º lugar:
Mas, a juntar a isto, temos uma agravante (na minha opinião): má gestão dos recursos públicos. Eu tenho quase a certeza que qualquer pessoa em Portugal teria menos problemas com os seus impostos, se realmente achasse que o dinheiro dos mesmos era utilizado corretamente.
Como, por exemplo, os escandinavos que não se importam de pagar impostos relativamente altos porque entendem que, em troca desse valor, obtêm uma qualidade de vida mais alta. O mesmo já não se pode dizer sobre Portugal.
O problema
Se o governo não gerir o dinheiro dos nossos impostos de forma eficiente e responsável, o seguinte pode acontecer:
Desperdício de recursos: os recursos financeiros que poderiam ser usados para melhorar serviços públicos, infraestrutura e programas sociais acabam por ser gastos de maneira ineficiente, sem gerar os benefícios esperados para a população;
Serviços públicos inadequados: pode levar a cortes em serviços públicos essenciais, como educação, saúde e segurança e isso afeta diretamente a qualidade de vida das pessoas;
Aumento da corrupção: se houver falta de fiscalização e transparência na gestão dos recursos públicos, isso pode facilitar práticas corruptas e, por sua vez, minar a confiança nas instituições governamentais;
Desigualdades sociais: uma má gestão dos recursos pode agravar as desigualdades sociais, já que os benefícios dos recursos públicos podem não ser distribuídos de maneira equitativa. Isso pode levar a um cenário em que apenas alguns setores ou grupos da sociedade beneficiam, enquanto outros são deixados de lado;
Impacto na economia: gastos excessivos, endividamento descontrolado e falta de investimento adequado podem prejudicar a saúde financeira do governo e, por extensão, a economia como um todo.
Em última análise, a má gestão dos recursos públicos cria um ciclo prejudicial no qual a falta de confiança leva a menos apoio das pessoas às políticas governamentais e à alocação de recursos. Isso, por sua vez, dificulta ainda mais a capacidade do governo de atender às necessidades da população de maneira eficaz e de construir um ambiente de confiança mútua entre os cidadãos e as autoridades.
A solução
Como também não é meu objetivo ser aquela pessoa que só deita abaixo, vou deixar aqui algumas ideias de como eu acho que se poderia melhorar esta situação. Lembra-te, são só ideias. Mas é um bom exercício, na minha opinião, parar e pensar um pouco sobre elas:
Transparência e prestação de contas: como mencionei acima, já há formas de podermos ver onde é que o nosso dinheiro é gasto. Contudo, é importante que isto se mantenha sempre uma prioridade, com mecanismos para monitorizar e relatar como o dinheiro dos impostos está a ser gasto;
Auditorias independentes: auditorias regulares e independentes das finanças públicas podem ajudar a identificar irregularidades e garantir que os fundos estejam a ser utilizados de maneira adequada;
Participação ativa dos cidadãos: incentivar a participação ativa dos cidadãos no processo de alocação de recursos pode aumentar a responsabilidade do governo. Isso pode ser feito por meio de consultas públicas, orçamentos participativos e outras formas;
Leis anticorrupção: fortalecer as leis relacionados com a corrupção e o desvio de recursos é fundamental. Além disso, é importante que as infrações sejam punidas de maneira justa e eficaz para desencorajar práticas futuras;
Uso de tecnologia: as plataformas online podem e devem ser melhoradas continuamente para permitir que os cidadãos acedam facilmente a informações sobre gastos públicos e acompanhem o progresso de projetos.
É importante ressalvar que não existe uma solução única para todos os casos. No entanto, um compromisso contínuo com a transparência, a responsabilidade e a participação cidadã é fundamental para construir governos confiáveis e eficientes.
Para terminar, gostava de deixar claro que não sou contra o uso de ajustes diretos. Aliás, entendo perfeitamente a sua necessidade na nossa sociedade. Aquilo que mais me preocupa, como já deixei claro, é se realmente os decisores tomam decisões com as melhores intenções em mente. Ou, dito de outra forma, quão robusto é este sistema para prevenir o uso indevido de dinheiros públicos e a corrupção.
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Até uma próxima vez - Guilherme
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Bom artigo, bem explicado e gostei da iniciativa do bot. Bom trabalho.