Já ouviste falar de "dinheiro acelerado"? Não, não estou a falar de um investimento de alta velocidade ou de uma corrida para gastar o salário antes do fim do mês. Estou-me a referia à ideia de um economista alemão chamado Silvio Gesell, que viveu no final do século XIX e início do século XX, e colocou na mesa a ideia de dinheiro perecível.
Quem foi Silvio Gesell?
Silvio Gesell era um economista não convencional, um visionário que acreditava que o dinheiro deveria circular rapidamente para beneficiar a sociedade. Nasceu na Alemanha em 1862 e trabalhou como importador na Argentina no final do século XIX, e foi lá que começou a desenvolver as suas ideias, após uma crise monetária devastadora que o levou a questionar o funcionamento do sistema financeiro tradicional.
Gesell queria libertar a economia das garras dos juros e do rentismo, e, para isso, propôs um sistema de "dinheiro acelerado". Este sistema fazia parte de uma visão mais ampla de uma economia natural, onde o mundo ficaria livre de rendas e o dinheiro livre de juros, permitindo que os trabalhadores recebessem o valor total do seu trabalho.
O que é dinheiro acelerado?
O conceito central do dinheiro acelerado é simples: para evitar que as pessoas guardem dinheiro em vez de o gastar, Gesell sugeriu que o dinheiro perdesse valor com o tempo. Isso mesmo, dinheiro com data de validade! Funcionava assim: com uma determinada frequência (semanal, mensal, etc), serias obrigado a colocar um selo no teu dinheiro para manter o seu valor. Este selo teria um custo, e sem ele o teu dinheiro perderia uma pequena percentagem do seu valor nominal.
Por exemplo, imagina que a cada semana precisavas de colocar um selo que custa 0,1% do valor do teu dinheiro. Isso incentiva as pessoas a gastarem o dinheiro rapidamente, estimulando a economia, em vez de guardá-lo "debaixo do colchão". Este sistema foi concebido com base na ideia de que acelerar a circulação do dinheiro e evitar a sua acumulação promove o consumo e o investimento contínuo.
Um experiência bem sucedida
Nos anos 30, durante a Grande Depressão, houve várias experiências com dinheiro acelerado. Um dos casos mais famosos ocorreu na pequena cidade de Wörgl, na Áustria. Em 1932, o presidente da câmara Michael Unterguggenberger implementou um sistema de dinheiro carimbado para revitalizar a economia local. E adivinha? Funcionou! As obras públicas prosperaram, o desemprego caiu e a economia local ganhou um novo fôlego.
Esta experiência em Wörgl envolveu a emissão de notas carimbadas de 1 a 10 xelins austríacos, que precisavam de um selo mensal de 1% do seu valor para manter a validade. A população adotou rapidamente a nova moeda, utilizando-a para pagar salários, impostos e transações comerciais. A circulação monetária aumentou significativamente, revitalizando a economia local. No entanto, esta história teve um final abrupto: o governo austríaco, pressionado pelo banco central, acabou por banir a prática em 1933, temendo inflação e perda de controlo monetário.
Sem confiança não há nada
Apesar dos sucessos iniciais, esta ideia enfrentou muitos desafios. A principal questão era a confiança. Para que o sistema funcionasse, era necessário que as pessoas confiassem que o dinheiro carimbado seria aceite e que não haveria alteração de regras pelas autoridades. Sem essa confiança, as pessoas teriam a tendência para procurar alternativas mais estáveis, arruinando o conceito de dinheiro acelerado.
A confiança é essencial para qualquer sistema monetário. No caso do dinheiro acelerado, para este funcionar, a desvalorização precisa de ser transparente e confiável para evitar que as pessoas abandonem o sistema. Além disso, é crucial que não haja substitutos monetários que as pessoas possam usar para evitar a desvalorização. Se as pessoas começam a usar outras formas de pagamento para evitar o custo dos selos, todo o sistema de dinheiro acelerado pode facilmente colapsar.
Porque é que isto importa?
Estudar ideias fora do comum como o dinheiro acelerado de Silvio Gesell é uma forma de expandir a nossa visão sobre economia e finanças. Imagina um futuro onde o dinheiro digital se desvaloriza automaticamente, incentivando-nos a gastar e investir de forma mais dinâmica - parece algo saído da ficção científica, mas é uma possibilidade que Gesell já vislumbrava há mais de um século.
O conceito de Gesell é uma dessas pérolas da história económica que nos faz pensar: "E se?" É uma lembrança de que a inovação e a confiança são essenciais para qualquer sistema financeiro robusto. Embora o dinheiro acelerado não tenha tido sucesso, as suas lições continuam a ser relevantes.
Será que realmente é viável? Isso é uma pergunta para responder noutra altura.
Se gostas de ler o Mealheiro, adiciona-o à tua lista de contactos conhecidos para nunca perderes uma publicação para o spam. Podes também responder a este email, ou deixar um comentário no artigo. A tua opinião é importante para mim.
Até uma próxima vez - Guilherme
PS: O que achaste da publicação de hoje? Adorei | Gostei | 50/50 | Meh | Péssimo
Gostaste do artigo? Partilha com alguém. Demora 10 segundos para o fazer.
Vieste aqui parar e não sabes bem como? Olá. Podes encontrar a página do Mealheiro aqui ou seguir-me no Instagram aqui.
A experiência feita na cidade austríaca parece interessante, mas percebo que tenha assustado muito o banco central. Podia haver mais estudos sobre este tema.