Mealheiro #83: O Dinheiro É Uma Droga
Dizem que o dinheiro não compra felicidade. Dizem mal.
O dinheiro compra felicidade da mesma forma que as drogas compram prazer:
é incrível se usado da maneira certa,
perigoso se usado para mascarar uma fraqueza,
e desastroso quando nenhuma quantidade é suficiente.
Esta ideia não é nova, mas poucos a querem aceitar. Preferimos acreditar num dos extremos: ou que o dinheiro é a raiz de todos os males, ou que é a solução para tudo. Nenhuma das versões é verdadeira. O dinheiro, como qualquer outra força poderosa, tem o potencial de elevar ou de destruir, dependendo da forma como o usamos e do que procuramos nele.
O Prazer da Dose Certa
Vamos começar pelo lado bom. Sim, o dinheiro compra felicidade - desde que saibamos o que realmente nos faz felizes. Diversos estudos têm vindo a mostrar que, até certo ponto, existe uma relação positiva entre dinheiro e bem-estar. Um estudo clássico de Daniel Kahneman e Angus Deaton (2010), por exemplo, indicava que o bem-estar emocional aumentava com o rendimento até cerca de 75.000 dólares por ano. Acima desse valor, mais dinheiro não trazia maior felicidade no dia a dia, embora contribuísse para uma avaliação mais positiva da própria vida.
Mais recentemente, Matthew Killingsworth (2021) revisitou esta questão e concluiu que, ao contrário do que se pensava, o bem-estar pode continuar a aumentar com o rendimento, mesmo em valores mais altos - mas tudo depende de como o dinheiro é usado.
Dinheiro permite conforto, segurança, acesso à saúde, tempo livre, e experiências que enriquecem a vida. Permite dizer "não" ao que nos desgasta e "sim" ao que nos realiza. Um jantar com quem gostamos, uma viagem que sonhámos, um hobby que cultivamos. Dinheiro compra felicidade quando compra liberdade.
Mas há uma condição: para sabermos usar o dinheiro, temos de saber o que queremos dele.
O Perigo de Usar Como Muleta
É aqui que muitos caem. Quando o dinheiro começa a ser usado como substituto - para preencher o que está vazio, para tapar dores internas, ou para construir uma imagem que não corresponde à realidade - ele deixa de ser uma ferramenta e passa a ser uma armadilha.
Compras por impulso, gastos para impressionar, investimentos que não fazem sentido mas prometem retorno rápido - tudo isto são formas de procurar no dinheiro o que falta noutra parte da vida. A insegurança, o medo de falhar, o medo de ser pequeno aos olhos dos outros.
Viktor Frankl, psiquiatra e sobrevivente de Auschwitz, dizia que:
Man's search for meaning is the primary motivation in his life and not a "secondary rationalization" of instinctual drives.
Quando não encontramos significado, procuramos distrações. E o dinheiro é uma das distrações mais fáceis - porque é visível, validado socialmente, e dá recompensas imediatas.
Mas, como as drogas, também vicia. A curto prazo alivia. A longo prazo agrava.
O Palco das Redes Sociais e o Teatro do Dinheiro
Hoje, há um agravante: as redes sociais. Nunca estivemos tão expostos à vida dos outros - ou melhor, à versão curada, filtrada, e idealizada da vida dos outros. Instagram, TikTok, LinkedIn: todos palcos onde se encena uma realidade em que todos são felizes, ricos, bem-sucedidos, e sempre a viajar.
E o problema não é ver os outros felizes. O problema é a comparação constante.
A inveja, que já era uma força poderosa antes, agora é alimentada 24/7. É ela que muitas vezes nos move a gastar - não porque precisamos, não porque queremos genuinamente, mas porque não queremos parecer menos. Gastamos para estar ao nível do que achamos ser a norma, mas que na verdade é a exceção.
Este ciclo é venenoso. Porque não estamos a comprar para nós, estamos a comprar para os olhos dos outros. E isso tem um custo: emocional e financeiro. Entramos numa corrida que não podemos ganhar, porque a meta final está sempre a mudar - há sempre alguém com mais, com melhor, com algo que achamos que nos falta.
A inveja é um péssimo conselheiro financeiro. Faz-nos gastar acima do que podemos, acumular coisas que não nos servem, e pior - impede-nos de valorizar o que já temos. É um ladrão de felicidade, porque nos prende ao que não somos.
O Desastre da Obsessão
A fase mais perigosa é a obsessão. Quando nenhuma quantia é suficiente, porque o dinheiro deixou de ser meio e passou a ser fim. Quando o objetivo já não é viver bem, mas simplesmente acumular. Não por prazer, mas por medo. Não por ambição saudável, mas por um vazio que nada preenche.
Há um termo para isto: síndrome do milionário infeliz. Pessoas que têm tudo, mas sentem que lhes falta sempre mais. E não é raro. A pesquisa de Robert Kenny, da Boston College, com famílias milionárias mostrou que, mesmo entre os ultra-ricos, havia preocupação constante com ter "o suficiente". Muitos referiam insegurança, solidão, e o receio de perder o que tinham - apesar de possuírem mais do que alguma vez precisariam.
Isto leva-nos à hedonic treadmill, ou "esteira hedónica" - um conceito da psicologia que diz que, por mais que melhoremos as nossas condições, rapidamente nos habituamos a essas condições e voltamos a querer mais. O prazer de ter algo novo é passageiro. E quando o dinheiro é usado apenas para esse prazer momentâneo, a busca torna-se infinita.
Como Usar o Dinheiro Sem Ser Usado
A lição não é nova, mas importa repeti-la: dinheiro é um excelente servo, mas um péssimo senhor.
Conhece-te. Saber o que realmente te faz feliz é a base. Não gastes porque os outros gastam. Não invistas porque os outros investem. O dinheiro deve servir os teus objetivos, não os dos outros.
Desliga-te. As redes sociais são um palco, não uma medida de valor. Se te vês a querer coisas só porque outros as mostram, desliga. Gasta para viver, não para atuar.
Usa para construir, não para esconder. Compra coisas e experiências que acrescentam à tua vida - e não que disfarçam o que está mal. Se há algo a corrigir, corrige. O dinheiro não vai fazer esse trabalho por ti.
Sabe parar. Ter metas financeiras é importante. Mas sabe quando chegar é suficiente. Mais nem sempre é melhor. Às vezes, mais é só mais peso.
Partilha. Um dos usos mais poderosos do dinheiro é ajudar. E ajudar também traz felicidade - como mostram estudos de Elizabeth Dunn e Michael Norton, que provaram que gastar dinheiro com os outros aumenta mais o bem-estar do que gastar consigo próprio.
A Verdadeira Qualidade da Felicidade
No fim, o que faz a diferença não é a quantidade do que temos, mas a qualidade. Não é o número na conta, mas o valor real do que está à nossa volta. Saúde. Um teto para dormir. Pessoas com quem partilhamos alegrias e dores. O tempo que usamos da forma que escolhemos.
A felicidade nasce mais da estabilidade do que do excesso. Mais da paz do que do luxo. Ter dinheiro ajuda - sem dúvida - mas só se tiveres primeiro aquilo que ele não pode comprar. Porque há coisas que valem mais: um corpo que te responde, uma mente que te acalma, amigos que te entendem, família que te apoia.
O dinheiro é uma droga potente. Dá prazer, dá poder, dá opções. Mas sozinho, não dá sentido. E o sentido da vida - esse, felizmente, não se mede em Euros.
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Até uma próxima vez - Guilherme
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Parabéns pelo espírito, o vocabulário e o altruísmo que levaram a esta publicação, que resume muito do que penso sobre o valor do dinheiro. Obviamente, vou partilhar.